quinta-feira, 6 de junho de 2013

Árvore caduca



João Wagner Galuzio

Recentemente, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, a FAO, liderando debates e ações para erradicação da fome no mundo, orientava que a adição de insetos na dieta humana poderia representar excelente alternativa como fonte de proteínas. Rápida, a imprensa trouxe reportagens sobre o já usual consumo desses bichinhos, em várias partes do mundo. 


No Brasil, um produtor de insetos como ingredientes de ração animal, exortou consumo dos miúdos animais e os classificou como iguaria. Até o Arnaldo Jabor, ilustre escritor e cineasta, encontrou oportunidade para apresentar suas considerações em sua crônica radiofônica diária. Estava surpreso com o preço do quilo de barata seca que, observou, de barato não tinha nada, posto que é vendido por preço superior ao de um quilo de bom filé. 


Esta celeuma me pareceu quase inócua considerando que, além da fome, a obesidade já é considerada como um dos mais importantes problemas de saúde pública mundial, inclusive aqui neste rincão do planeta. Infelizes e sedentários consumimos carboidratos de modo irracional, para compensar nosso frágil emocional.


Eu, como legítimo representante dos dependentes químicos de açúcar, enfrento dezenas de quilômetros de ruas e calçadas por semana, para queimar uns poucos gramas adiposos. Depois de exaustivos quarenta metros de caminhada, me surpreendo, muitas vezes absorto, concentrado para manter a disposição. Os primeiros metros são os mais dolorosos e claudicantes de todo o percurso. Então, sintonizo uma frequência de rádio numa minúscula geringonça eletrônica, ou gadget, que levo comigo. 

Enquanto mais uma vez ouvia na rádio, uma nova repercussão relativa aos deliciosos insetos, eis que piso em algo marrom, de consistência firme apenas o suficiente para perceber e sentir, no meu tênis limpo e novo, que esmaga o volume contra o piso irregular de nossas calçadas velhas, sujas e esburacadas. O cheiro resultante desse acidente pedestre é imediato e intenso. Depois de sacudir o calçado, vejo aquela biomassa se desprendendo, agora disforme. 


Depois de bastante esfregar o tênis no chão, ainda resta um pouco desta pasta nos sulcos da sola. Com a ajuda de um pequeno ramo de árvore retiro o que restava e, por impulso, levo o abjeto objeto ao nariz para sentir este perfume incomum. Embriagado pelo aroma ácido, embora suave, exulto. – "Que inseto, que nada!" Aqui está a alternativa muito mais interessante, e ao alcance de nossos pés. 


Continuo escalando, para desespero dos meus calcâbeos, a Brigadeiro Luiz Antonio, avenida bastante conhecida dos corredores de rua de todo o Brasil mas, com grande entusiasmo pela nova perspectiva nutricional. Aquela sintonia radiofônica parece agora mais um ruído da cidade. Acelero, para chegar logo em casa, pensando em consultar enciclopédias virtuais para confirmar, ou não, minha fantasia gastronômica, desviando das incontáveis novas amostras que quase cobrem o caminho em alguns pontos. Estão concentrados sob aquela árvore caduca, muito comum nas ruas de São Paulo, a hovenia dulcis, também conhecida, no sertão, como tripa-de-galinha.


Em casa, logo a pesquisa confirma e atesta a eficácia do que imaginava. Descubro páginas wiki e outras da ciência formal, unânimes acerca das propriedades nutritivas e até medicinais de minha vítima pegajosa e amorfa. Ora em trabalhos acadêmicos, ora em textos de grupos de pesquisa ou de institutos ecológicos, os autores destacam seu sabor aprazível e, informam: coletados no tempo certo têm textura carnuda. É excelente, dizem os especialistas, para se fazer geleia e estudam-na como opção de tratamento para o alcoolismo. 


Agora era inevitável, mais do que cheirar precisava provar. Saí à rua e peguei a primeira peça que encontrei, a poucos metros de casa, esmagando-a com as mãos. A sensação foi indescritível, aquele bagaço escorrendo por entre os dedos me fez sentir, com intensidade, a energia daquela fragrância. Na boca, o sabor doce explica porque é preferida por ratos e insetos, vetores que a contaminam. 


Em sua próxima caminhada não deixe de provar, tem muitos nomes, mas o mais popular é: UVA JAPONESA! Bom, a prosa é boa, mas preciso parar para ver o ponto certo de redução do caldo, a geleia está quase pronta.

2 comentários:

  1. Quando a ELEGÂNCIA e o BOM HUMOR encontram a perfeita AMALGAMAÇÃO, faz-se a OBRA-MAESTRA.
    Parabéns!

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  2. Paulo, bastante grato por seus comentários muito suspeitos (amigos sempre nos louvam kkk)e aproveito para ratificar o desafio que combinamos. Uma nova crônica por semana.
    Sugiro como pauta permanente (e dinâmica) a efeméride nacional da respectiva semana.
    Nesta semana por acaso: O dia do Meio-ambiente. Avant-garde...

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