Estes meus ensaios escritos têm sido excelente laboratório de
observação, reflexão e redação – e higiene mental. Por muitas vezes orientei e estimulei meus alunos a
desenvolverem o hábito da leitura, escrevendo.
Pode parecer contraditório e talvez seja, pois como boa
parte de nosso caminho evolutivo, há que se compreender e decifrar os mistérios
por trás de nossas escolhas. Pelo menos este é o meu processo, quanto mais escrevo parece que melhor
eu leio.
Minha oficina de redação: Observar e analisar os eventos,
fatos muitas vezes singelos que nos envolvem todos os dias, mas que entorpecidos
ou anestesiados, ignoramos. Deste exercício, gravo ou anoto detalhes que depois irão compor
os pequenos causos que gosto de narrar e compartilhar.
Aprecio muito ver as gentes andando pelas ruas. Este
mamífero esperto, o homo sapiens, não é muito inteligente. Passionais, somos pessoas muito intensas e complexas, mas penso
que sempre se pode crer em nossa capacidade de melhorar.
Enquanto a árvore caduca,1 eu claudico. Manco,
vencendo meus esporões lancinantes, sigo minhas caminhadas por toda a cidade. Embora bem paramentado, tênis, calça, camiseta e blusa
adequados para corrida e, ou, caminhada, não sou feliz com fones de ouvido.
Tentei usá-los e não me dei bem, mesmo ouvindo uma seleta
lista de boa música ou escutando frequências de rádio que tocam notícias,
viciado em informação que sou. Antigo militante de grupos vocais conheço e brinco com fundamentos
de música, composição, regência e interpretação, especialmente no que se refere
a coros e madrigais.
Hoje, depois de muitos anos, afastado desta tribo de
abnegados músicos amadores, mantenho o gosto pela canção e gozo o entusiasmo que
a música proporciona.Se tu vires um tiozinho gordinho andando por aí, cantando como
que encantado, perdoa. Sou apenas mais um perdido nessa megalópole esquizofrênica,
num andamento marcado e marchado.
Sincopado pelos pés cansados, minhas pernas determinam o ritmo,
como metrônomos bem calibrados e sigo a marcha ora contando (um, dois, um
dois...), ora cantando.
A julgar pela cadência, o andamento -duplo sentido
deliberado- está entre o Adágio e o Moderato, representando bem o Andante e,
pelos murmúrios, Cantabile. Tomo as calçadas por pentagramas e em cada passo determino o
compasso.
Transeuntes vizinhos compõem sua própria melodia numa “jam session”
caótica, alucinada e alienada. Alucinados traçam caminhos virtuais e atravessam, como
bólidos, o samba de outros passistas, uns com seus passos mais graves e largos,
outros de um modo expresso ou prestíssimo.
Alienados parecem fora de órbita (etimologia explícita) na delirante urbe,
incapazes de enxergar o que acontece à sua volta. São, ao mesmo tempo, vítimas
e algozes da invisibilidade social que nos massacra como surdos obstinados.
Caótica sinfonia lembra mais um ensaio de orquestra, quando
os músicos todos juntos, tocam frases diversas para afinar seus instrumentos.
Como são pedestre que pretendo ser, saudável e engajado, arranjo
e canto para benefício de Minh’ alma e sacrifício dos que cruzam meu caminho.
As recentes manifestações populares, as pacíficas, me fazem
crer em nossa capacidade de composição social, numa criação coletiva e
polifônica, com acordes ou harmônicos gregorianos ou mesmo trítonos metaleiros.
Nota 1. Vide texto “Árvore caduca” disponível neste blog.
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