João Wagner Galuzio
Quando jovem, em tempos jurássicos, um livro me fascinou e, agora, depois de muitos anos, pude compreender e viver algumas de suas ideias mais singelas. Estou me referindo ao livro de Maurice Druon, “O menino do dedo verde.” Apesar da referência direta, não pretendo resenhar ou adaptar a história, mas especialmente me apropriar do predicado dedicado ao personagem principal, o menino Tistou.
Um menino que tinha um dom muito especial. De qualquer coisa, ao toque de seu polegar, brotavam flores e folhas. Filho de um fabricante de armas, mudou todo ambiente à sua volta e, multiplicando flores, tocava as pessoas. O conto encerra atestando que o menino era um anjo, desculpem o spoiler.
O que nunca me tinha dado conta é de que eu conhecia uma pessoa com esse mesmo dom. Um homem que, na maioria das vezes, era bastante circunspecto para não dizer inacessível. Meu velho, o “Seu Guerino”, cuja inteligência emocional talvez não lhe tenha sido muito estimulada, era dono de uma inteligência muito especial: a inteligência natural.
Caipira, filho de jovens imigrantes austríacos de hábitos italianos, nasceu num tempo em que o século XIX ainda influenciava os costumes e o progresso do novo século. Não é difícil imaginar que, na escola primária, fosse um menino terrível, pouco compreendendo o que seus severos professores tentavam lhe ensinar, nesse idioma diferente daquele intenso acento que seus pais e suas duas irmãs mais velhas vibravam em casa e também com os seus vizinhos “paesanos”. A necessidade imperativa da sua condição humilde e aquela palmatória inclemente logo o fizeram deixar os cadernos e o levaram à roça.
Mais tarde, quando já alcançava os sessenta anos, empreendedor e autodidata, devorava vários livros de botânica e de paisagismo, além de alguns de História Geral. Eu, pirralho, observava e, confesso me frustrava, ao tentar entender como era possível que passasse tanto tempo com aquelas plantas, algumas abandonadas pelas ruas e tão pouco com as pessoas?
Hoje, pelo meu turno, velho e aprendendo um pouco da vida, sou feliz e celebro sua memória com entusiasmo, quase com a mesma energia que o "Seu Guerino" dispensava ao trabalho, incansável que era. Em seu silêncio junto às plantas, generosas, suas mãos operavam milagres e, gratas, as plantas lhe retribuíam com frutos e flores. Até as mais rotas azaleias vicejavam e, ao brotarem, igualmente o renovavam.
Se Tistou era um anjo, eu penso que, assim mesmo com seu jeito durão, "Seu Guerino" era um homem ao mesmo tempo radical e santo. Radical em sua ética incondicional e, santo em seu altruísmo silencioso, motivos pelos quais não o chamo mais de “Seu Guerino” mas de meu "São Guerino do Dedo Verde".
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