sexta-feira, 28 de junho de 2013

Conheça o Cândido Poliano

Eu, Hilário Delírio, gosto e pretendo continuar falando de amenidades. Se você quiser conversar sobre temas mais carrancudos e pragmáticos, visite o link do blog abaixo: 

Tanto aqui como lá, aguardamos sua adesão e seus comentários 

http://www.candidopoliano.blogspot.com.br 


quarta-feira, 26 de junho de 2013

A Pipoca não é vegetariana.

Ora direis que fiquei louco e que decerto estou absurdamente sem noção. Mas eu lhe asseguro e Bilac não há de me deixar mentir, não perdi o senso. A Pipoca não é vegetariana, mas ama uma alface bem tenra. Se você ainda resiste à minha afirmação terminativa é porque não conhece a Pipoca como eu. Branquinha, saltitante e muito gostosa, eu ratifico - Não, a Pipoca definitivamente não é vegetariana.

Ela é pura energia, mas toda semana, aos sábados dia de lavar a Pipoca, diante da água ela murcha, fica bem miudinha, a doce Pipoca. Já vistes Pipoca enxaguada? Coisa esquisita, desmilinguida parece um sabugo desbotado, vistes? Mas qual, sequinha ou não, todos que a pegam se encantam e fazem-se crianças. Imagine se já não viu marmanjos e marmanjas, manhosos e manhosas gemendo “ownnnnnn”, “que delícia”, “ah, eu também quero”.

A Pipoca? Maliciosa, poderosa e saborosa, sabe o quanto é querida, desdenha e esnoba, pula de um lado para outro pensando que tudo pode, e pode muito. Até a vovó que jurou jamais a aceitar se rendeu ao seu sabor, ela é quente e suave. Combina com tudo de bom, fica bem em qualquer programa da família, parece que não podemos viver sem ela.

Minha filha leva a Pipoca até a escola, minha esposa a leva no mercado. No Ibirapuera, parque e praia de paulistanos não podem faltar, sorvete, água de coco e a Pipoca. Nos parques e nas praças, todo pombo gosta de milho, certo? Da Pipoca não gostam não.

Tudo de bom acontece em torno dela. Exceção nos bares, farmácias, hospitais e restaurantes, nesses lugares não se leva a Pipoca. Na feira livre? Você sabe que na feira livre gostamos de caldo de cana com limão, pastel de pizza com manjericão, tapioca de montão, mas a Pipoca está sempre à mão.  Falando de comida de novo? Ah, João! Por isso tu és forte, oh inválido esboço de um muro adiposo que espalha tua grandeza, farra açodada e adoçada de lipídios mil. Toma tenência.

Opa. Upa. Ufa. (Saindo do transe ou, surto, gastronômico.) Esta é a vantagem (?) de se escrever através de seu álter ego, o diálogo entre louco e divertido ganha dimensões napoleônicas. Desculpe-me leitor, o desvario, é que por vezes meus neurônios não multiplicam sinapses, mas parecem se consumir, uns aos outros numa louca fagocitose. Entende? Nós obesos pensamos gordo.


Além da Pipoca gostamos muito do Pudim e da Paçoca, um macho e uma fêmea de psitacídeos, os outros animais da família. Nossa pequena cadela, a Pipoca, é uma maltesa linda e graciosa que se não é a mais esperta das espécies caninas, esforça-se ao limite para nos encantar e bajular. Sensível, protege a vovó. Arteira chama todos a brincar. Gulosa come de tudo e, embora prefira um naco de perdigão à boa ração, vegetariana ela não é não.  

terça-feira, 25 de junho de 2013

Ruivos do Vêneto encontram o eldorado entre rios de Caiapós.



Estimulado pela redação do texto “São Guerino do Dedo Verde” compartilhava impressões com um bom amigo quando lhe pedi que indicasse uma sugestão para uma nova narrativa. Gostou logo da ideia de variarmos sobre a origem de sua família.

A brincadeira ganhou fôlego e depois de uma consulta inicial às minhas fontes de pesquisa, vi que poderia extrapolar o material com diversas informações etimológicas e outras antropológicas. Umas dicas dele por aqui, uma foto antiga dos ‘nonos’ ali e muita investigação na web me permitiram elaborar este ensaio.

No rico e desenvolvido norte da Itália, no Nordeste neste caso mais específico, está situada a região do Vêneto, cuja capital Veneza é romântica e mundialmente conhecida. Estão lá outras Províncias bem conhecidas mas, um pouco mais para o campo, não tão longe do Adriático está a Província de Rovigo, origem do ramo paterno quase no meio do caminho entre Padova e Bologna, terra dos pais de sua progenitora. Poderíamos mesmo dizer que eram tutti paesano, vizinhos mesmo. 

Se do lado materno, os Galvani remetem à memória do muito importante cientista Luigi Galvani, cujas descobertas viabilizaram mais tarde a invenção da pilha e grande desenvolvimento e aplicação da eletricidade. Do lado paterno os Rossin, hipocorístico (modo suave e gentil) de Rossi, têm origem semelhante, como Rossini também. Rossini, Rossin ou simplesmente Rossi são derivações de “rosso” que no italiano significa vermelho, indicativo do cabelo avermelhado muito peculiar dos ruivos.

Ocorre que no fim do Século XIX, um pouco para se livrarem dos frequentes e recorrentes conflitos com o Império Austro-Húngaro que, muito provável, calcinou a economia do lugar e; Considerando a concomitante nova terra de oportunidades que o interior paulista se revelava e com o virtual eldorado para as pessoas idealistas e empreendedoras em perspectiva, lançaram-se ao mar para construir seu futuro, próximo de um rio preto. Região antes conhecida por seus moradores nativos, os índios Caiapós, como 'entre rios' uma área que, mais tarde, seria denominada como Ribeirão Preto.

Chegaram por lá, quase ao mesmo tempo em que o Dr. Henrique Dumont, engenheiro mineiro, pai de Alberto Santos Dumont por ali se estabelecia. Hilário, eu delirei imaginando o então jovem Abramo Rossin, franciscano imigrante italiano proseando com o adolescente e visionário filho do fazendeiro, enquanto ensinava o seu menino a fazer pipas e balões, inspirando de soslaio o futuro pai da aviação.

Franciscano devoto emprestou a um dos filhos os nomes dos dois baluartes do franciscanismo. O do próprio fundador da Ordem e o nome do Frei português que, contemporâneo e amigo do Francisco de Assis, foi canonizado como Santo Antônio. Viveu com entusiasmo em seu cantinho de chão, em Sertãozinho cercado de árvores próprias da região e que, dizem, de uma espécie de fruta que só existe no Brasil, a Jabuticaba tão apreciada pelos Caiapós.

A inflação é uma droga.



Os brasileiros muito jovens se não se lembram, os mais velhos sempre os fazem saber que houve um tempo neste país em que o poder aquisitivo era muito alterado para menos em razão de horas. Uma visita aos mercados um ou dois dias depois do planejado representava uma evidente e substancial menor quantidade de produtos nos carrinhos.

Clássica e jocosamente, economistas e jornalistas referem-se à inflação como um dragão. Quimera mítica capaz de consumir e destruir tudo que lhe atravessasse a frente, crescendo de modo incontrolável.

Quase vinte anos depois, o dragão virou uma droga. Bom, pelo menos é como fazem parecer nossas autoridades monetárias, viciadas em gastos públicos e dependentes de uma ideologia esquizofrênica. Sonham um socialismo romântico e, abominando o liberalismo, constrangidas mal disfarçam a privatização, apenas mudando o nome “concessão”. 

As drogas, especialmente aquelas que alucinam, exercem um efeito comum e devastador sobre seus dependentes. Além do torpor e da letargia, oferecem tanto prazer que, diante da realidade incontornável e insuportável, todos seus usuários têm convicção de que exercem absoluto controle sobre elas e acreditam que podem se abster, a qualquer tempo natural, cândida e espontaneamente. Depois da alegoria, veem-se depauperados, corroídos e desestruturados pelo monstro, droga ou dragão, desesperados por mais uma dose de euforia. 

Passados estes tantos anos a lenda do dragão parece uma fábula ancestral de tempos longínquos, irreal e surreal. A ausência de retrospectiva promove uma psicodélica perspectiva de que o bicho não passa de uma lagartixa, inofensiva. Aqueles que pretensamente pensam poder controlar a inflação revelam-se como dependentes desta droga econômica e social que consome povos e nações.

Poderiam, ou deveriam fazer como os Alcoólicos Anônimos que celebram cada dia de abstinência como mais uma pequena vitória e independência, mantendo e renovando sempre os fundamentos que viabilizaram a estabilidade dentro de metas objetivas e necessárias. Cada dia deve representar a coerência, às vezes impopular do exercício da razão, lembrando Renato Russo que há tempos já ensinava – Disciplina é liberdade... Mas esse é o caro e antipático preço da liberdade, a coerência madura e responsável. 

Ah, mas é tão sedutora a ilusão da popularidade que inebria até o mais pragmático dos burocratas tornando-o narcisista e populista, causa e efeito deste delirium tremens econômico que mascara resultados e sonha índices que não apontam, mas acusam sua inépcia.

Eis-nos mais uma vez diante deste nauseante círculo vicioso, dependentes cada vez mais quanto mais altivos e seguros, na certeza insofismável de nosso poder incondicional sobre o dragão, deliramos. Inflação, droga ou dragão, a certeza é a submissão.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

São Guerino do Dedo Verde

João Wagner Galuzio

Quando jovem, em tempos jurássicos, um livro me fascinou e, agora, depois de muitos anos, pude compreender e viver algumas de suas ideias mais singelas. Estou me referindo ao livro de Maurice Druon, “O menino do dedo verde.” Apesar da referência direta, não pretendo resenhar ou adaptar a história, mas especialmente me apropriar do predicado dedicado ao personagem principal, o menino Tistou. 




Um menino que tinha um dom muito especial. De qualquer coisa, ao toque de seu polegar, brotavam flores e folhas. Filho de um fabricante de armas, mudou todo ambiente à sua volta e, multiplicando flores, tocava as pessoas. O conto encerra atestando que o menino era um anjo, desculpem o spoiler.


O que nunca me tinha dado conta é de que eu conhecia uma pessoa com esse mesmo dom. Um homem que, na maioria das vezes, era bastante circunspecto para não dizer inacessível. Meu velho, o “Seu Guerino”, cuja inteligência emocional talvez não lhe tenha sido muito estimulada, era dono de uma inteligência muito especial: a inteligência natural. 


Caipira, filho de jovens imigrantes austríacos de hábitos italianos, nasceu num tempo em que o século XIX ainda influenciava os costumes e o progresso do novo século. Não é difícil imaginar que, na escola primária, fosse um menino terrível, pouco compreendendo o que seus severos professores tentavam lhe ensinar, nesse idioma diferente daquele intenso acento que seus pais e suas duas irmãs mais velhas vibravam em casa e também com os seus vizinhos “paesanos”. A necessidade imperativa da sua condição humilde e aquela palmatória inclemente logo o fizeram deixar os cadernos e o levaram à roça. 

Mais tarde, quando já alcançava os sessenta anos, empreendedor e autodidata, devorava vários livros de botânica e de paisagismo, além de alguns de História Geral. Eu, pirralho, observava e, confesso me frustrava, ao tentar entender como era possível que passasse tanto tempo com aquelas plantas, algumas abandonadas pelas ruas e tão pouco com as pessoas?

Hoje, pelo meu turno, velho e aprendendo um pouco da vida, sou feliz e celebro sua memória com entusiasmo, quase com a mesma energia que o "Seu Guerino" dispensava ao trabalho, incansável que era. Em seu silêncio junto às plantas, generosas, suas mãos operavam milagres e, gratas, as plantas lhe retribuíam com frutos e flores. Até as mais rotas azaleias vicejavam e, ao brotarem, igualmente o renovavam. 

Se Tistou era um anjo, eu penso que, assim mesmo com seu jeito durão, "Seu Guerino" era um homem ao mesmo tempo radical e santo. Radical em sua ética incondicional e, santo em seu altruísmo silencioso,  motivos pelos quais não o chamo mais de “Seu Guerino” mas de meu "São Guerino do Dedo Verde".

terça-feira, 18 de junho de 2013

Andante Cantabile



Estes meus ensaios escritos têm sido excelente laboratório de observação, reflexão e redação – e higiene mental. Por muitas vezes orientei e estimulei meus alunos a desenvolverem o hábito da leitura, escrevendo.

Pode parecer contraditório e talvez seja, pois como boa parte de nosso caminho evolutivo, há que se compreender e decifrar os mistérios por trás de nossas escolhas. Pelo menos este é o meu processo, quanto mais escrevo parece que melhor eu leio.

Minha oficina de redação: Observar e analisar os eventos, fatos muitas vezes singelos que nos envolvem todos os dias, mas que entorpecidos ou anestesiados, ignoramos. Deste exercício, gravo ou anoto detalhes que depois irão compor os pequenos causos que gosto de narrar e compartilhar.

Aprecio muito ver as gentes andando pelas ruas. Este mamífero esperto, o homo sapiens, não é muito inteligente. Passionais, somos pessoas muito intensas e complexas, mas penso que sempre se pode crer em nossa capacidade de melhorar. 

Enquanto a árvore caduca,1 eu claudico. Manco, vencendo meus esporões lancinantes, sigo minhas caminhadas por toda a cidade. Embora bem paramentado, tênis, calça, camiseta e blusa adequados para corrida e, ou, caminhada, não sou feliz com fones de ouvido.

Tentei usá-los e não me dei bem, mesmo ouvindo uma seleta lista de boa música ou escutando frequências de rádio que tocam notícias, viciado em informação que sou. Antigo militante de grupos vocais conheço e brinco com fundamentos de música, composição, regência e interpretação, especialmente no que se refere a coros e madrigais.

Hoje, depois de muitos anos, afastado desta tribo de abnegados músicos amadores, mantenho o gosto pela canção e gozo o entusiasmo que a música proporciona.Se tu vires um tiozinho gordinho andando por aí, cantando como que encantado, perdoa. Sou apenas mais um perdido nessa megalópole esquizofrênica, num andamento marcado e marchado.

Sincopado pelos pés cansados, minhas pernas determinam o ritmo, como metrônomos bem calibrados e sigo a marcha ora contando (um, dois, um dois...), ora cantando.

A julgar pela cadência, o andamento -duplo sentido deliberado- está entre o Adágio e o Moderato, representando bem o Andante e, pelos murmúrios, Cantabile. Tomo as calçadas por pentagramas e em cada passo determino o compasso. 

Transeuntes vizinhos compõem sua própria melodia numa “jam session” caótica, alucinada e alienada. Alucinados traçam caminhos virtuais e atravessam, como bólidos, o samba de outros passistas, uns com seus passos mais graves e largos, outros de um modo expresso ou prestíssimo.

Alienados parecem fora de órbita (etimologia explícita) na delirante urbe, incapazes de enxergar o que acontece à sua volta. São, ao mesmo tempo, vítimas e algozes da invisibilidade social que nos massacra como surdos obstinados.

Caótica sinfonia lembra mais um ensaio de orquestra, quando os músicos todos juntos, tocam frases diversas para afinar seus instrumentos.

Como são pedestre que pretendo ser, saudável e engajado, arranjo e canto para benefício de Minh’ alma e sacrifício dos que cruzam meu caminho.

As recentes manifestações populares, as pacíficas, me fazem crer em nossa capacidade de composição social, numa criação coletiva e polifônica, com acordes ou harmônicos gregorianos ou mesmo trítonos metaleiros.

Nota 1. Vide texto “Árvore caduca” disponível neste blog.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

As meninas na Rodovia dos Imigrantes



Trabalhando no litoral, seguia todos os dias pela Rodovia dos Imigrantes. quando escrevi esta pequena memória para celebrar as meninas que andavam pelo acostamento, em vez de esteiras monótonas de academia. Você que viaja muito sozinho poderá curtir.

"É bom encontrá-las todos os dias em seu exercício matinal. Renovam o meu humor sonolento de madrugadas mal dormidas. Elas são muitas e por vários quilômetros desfilam seus corpos fartos na forma mais roliça. Lipídios abundam por todos os lados.

Mas isto importa pouco. Os passos largos e as mãos em marcha cadenciada parecem me hipnotizar. Seus lábios esbanjam alegria e conversam sem parar. Vê-se, de longe, que a prosa é boa. Fico imaginando as receitas, os conselhos, as confissões e os segredos compartilhados que consomem enormes distâncias como se fossem poucos metros.

As meninas na Rodovia dos Imigrantes são jovens e há senhoras também. Umas são solteiras e outras não –penso- você pode encontrar domésticas e madames, mas juntas elas enfeitam a estrada fria e monótona. O acostamento se transforma em um imenso e festejado SPA popular.

Uns poucos companheiros, irmãos ou namorados, eu não sei, imitam personal trainers e inibem eventuais abordagens não desejadas. Você irá dizer que redundo, mas é um reality show "real", espontâneo e verdadeiro. Elas parecem não ligar para esse voyerismo fugaz das janelas indiscretas dos automóveis. 

Pelos retrovisores acompanho, até muito longe, suas silhuetas enquanto outras não surgem à minha frente. Não tem dois grupos iguais e enquanto umas vêm em minha direção, outras vão ao mesmo sentido que eu, mas nunca sei se estão indo ou voltando. Às vezes, as vejo displicentes usando os guard-rails improvisados como barras de alongamento.

Confortável no meu carro assisto esses diversos programas em um só canal e, do mesmo modo, penso que eu também faço parte do show, como coadjuvante, é verdade, mas presente. Enquanto elas completam umas poucas dúzias nós, motoristas solitários na maioria das vezes passamos por suas vidas às centenas em poucos minutos.

Diferente do que vemos na TV, no entanto, a dinâmica desses grupos sugere o envolvimento, a solidariedade e a inclusão social. A certeza de encontrá-las, mesmo nos dias frios ou nublados, entre um pedágio e outro, me estimula e, curioso sigo meu caminho na esperança de outra vez as encontrar."